quarta-feira, 28 de maio de 2008

Faz hoje 47 anos

Era cerca de meio-dia, do dia 28 de Maio de 1961, quando o N/M Niassa se fez ao largo ao som do Hino Nacional com destino a Angola.
Ainda me parece estar a ouvir as três ensurdecedoras e prolongadas buzinadelas do navio, no momento da partida.
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Deixo o pai e deixo a mãe
Deixo namorada a chorar!
Levo todos na lembrança
Tenho esperança de voltar!
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Tal há-de ser quem quer, co dom de Marte,
Imitar os Ilustres e igualá-los:
Voar co pensamento a toda a parte,
Adivinhar perigos e evitá-los,
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os immigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim: que louvarei
O Capitão que diga: "Não cuidei."
Luís de Camões - "Os Lusíadas", Canto VIII-LXXXIX
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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
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Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esp'rança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem, se algum houve, as saudades.
Sonetos (inc.) - Luís de Camões


terça-feira, 27 de maio de 2008

Madrinhas de Guerra

Na acepção da palavra, madrinha é uma protectora. Contudo, madrinha de guerra, é o nome que no tempo da recente guerra colonial portuguesa se dava às raparigas ou senhoras que, a pedido, mantinham correspondência com militares nos diversos teatros de guerra. Constituíam um paliativo para ajudar na passagem daqueles tempos!
Nesse tempo, quem as não teve?
Bastar-lhe-ia, escrever uma carta para a antiga Revista "Plateia" - Lisboa, ou inclusive, para Espanha - Revista Maisol Bol?, Ferman Gonzalez, Madrid, a pedir às raparigas que fossem suas madrinhas de guerra e, ao fim de pouco tempo, as cartas em seu nome, eram mais que muitas! Até dava para as dispensarmos uns aos outros, com a alegação de que entretanto outra rapariga já se lhe tinha antecipado, aceitando-o como seu afilhado. Solicitava-se-lhe, entretanto, que fosse madrinha de guerra de um seu amigo, também militar, o que normalmente era aceite.





















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O militar quando se encontrava em "zona operacional", no "mato", não tinha grandes hipóteses de comprar selos de correio nem os próprios envelopes, motivo por que utilizava os aerogramas desdobráveis (peça de correio transportada por via aérea, vulgo, bate-estradas...) na correspondência dentro do país, ou àquilo a que, nesse tempo, chamavam de império português. Refira-se que, a escassez de aerogramas era também uma constante, não chegavam para um quinto das nossas pretensões.
Para as "muchachas" do país vizinho, a correspondência era feita através de envelope próprio (mais leve) para ser transportado por avião "par avion" e com a "taxa internacional", a fim de evitar que a correspondência fosse encaminhada através da via marítima, demorando uma eternidade até chegar às mãos da pessoa a quem era dirigida.
A correspondência mantida entre madrinha e afilhado, era interessantíssima. Quase sempre ia ter a um "pedido de namoro" e, em alguns casos, esses namoros deram mesmo em casamento.
A entrega de correspondência aos militares (bissemanal) era normalmente feita durante a hora da formatura. Numa dessas entregas de correspondência, recebi 17 cartas de raparigas a responderem ao meu pedido publicado nas revistas. Também mantive correspondência com algumas "chiquitas" (a un desconocido amigo! Leendo en la Revista Marisol ... y viendo que deseas correspondencia de señoritas mi dirijo a ti. Soi Burgalesca... blá! blá! blá!!!) , até ao regresso a Portugal. Foi uma boa maneira de ajudar a passar o tempo!
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O Rádio Clube de Angola - Luanda, através de interface com a Emissora Nacional - Lisboa, acedia aos pedidos dos militares para gratuitamente enviarem uma mensagem dirigida aos seus familiares, namorada ou madrinha de guerra, mais ou menos do seguinte teor: "Eu F..., falo de Angola. Encontro-me bem de saúde. Beijos... cumprimentos... Adeus e até ao meu regresso".
Desloquei-me também ao RCA, donde enviei a minha mensagem.

O Arco e as Flechas


É provável que o arco e a flecha tenham surgido ainda antes do neolítico. Com essas armas o homem conseguiu defender-se dos animais ou caçá-los. As esculturas assírias representam o homem utilizando o arco, na caça e na guerra, o que é amplamente mencionado por Homero.
É histórica a superioridade dos arqueiros ingleses de Eduardo III, considerados os mais hábeis da Europa Ocidental.
Foi também a arma mais usada pelos índios americanos antes da introdução das armas de fogo.
Alguns povos da África Meridional, das Ilhas do Pacífico e da América Central, continuam a fazer grande uso do arco.
Na sua feitura são usados os mais diversos materiais, madeira de teixo, de nogueira, de abeto, de bambu, etc.
As pontas das flechas eram outrora feitas de osso, chifre, espinhas de peixe, etc., posteriormente de ferro ou aço. A haste era feita de madeira dura e para as cordas usa-se fibra de cânhamo ou de linho.
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O arco que a fotografia nos mostra, bem como todas as flechas, são de pontas diferentes, de corte ou de perfuração, mediante o tipo de caça a que se destinavam e foram-me oferecidos em Lumbala Velha – Angola, pelo soba Ximixe (pessoa com quem sempre me relacionei muito bem). Tanto o arco como as flechas foram feitas por este homem, o qual praticava o exercício da caça, pelo menos três a quatro vezes por mês. O local para onde ia caçar, era muito longe dali, o que implicava ter de ficar uma ou duas noites fora de casa, não obstante possuir uma Kinga (bicicleta) que sempre levava. Só caçava aquilo que precisava para a sua subsistência e das suas duas mulheres (Helena e Teresa?). A sua vida dependia das técnicas de caça e recolecção que os seus antepassados desenvolveram e lhes transmitiram de geração em geração. Ficou triste por me ver partir, e fez questão de me oferecer o seu segundo arco e algumas das suas flechas. A partir de uma determinada altura da minha permanência em Lumbala, franqueou-me a sua canoa que possuía nas margens do rio Zambeze. Sugeriu-me que fizesse um remo e a utilizasse sempre que ela estivesse disponível. Cheguei a atravessar o rio sozinho nessa canoa, conforme referi neste Blog (Títulos: “Travessia do rio Zambeze” e “Numa Canoa”).
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As bengalas, são também trabalhos tradicionais que resistem à mudança. Na parte superior têm normalmente uma figura decorativa. Eram adquiridas nos mercados locais. Estes artefactos são apreciados em todo o mundo.

O Arco, as Flechas e outros


















































O Cachimbo

O cachimbo, de enormes proporções (78 cm), que se vê também na foto anterior, é utilizado tanto pelos homens como pelas mulheres para satisfazer o vício de fumar. É constituído por um recipiente, onde arde o tabaco, e um tubo, por onde se aspira o fumo. Durante o exercício de “cachimbadelas – era fumo por todo o lado!...”.

Cachimbo Artesanal



















A Catana e a Machadinha

A catana foi uma das armas (brancas) utilizadas na emboscada de Quanda Maúa.
A que está na imagem anterior tem 39cm de lâmina e o seu comprimento total é de 53cm.
Foi puncionada com a marca “A.P.C. – Caxito”.
É uma ferramenta muito utilizada na capinagem e nos trabalhos afins, mas pode também considerar-se uma arma “eventualmente de ataque”, como veio a verificar-se algumas vezes em Angola.
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A machadinha é uma ferramenta muito utilizada pelos africanos, nomeadamente por aqueles que vivem fora dos grandes aglomerados populacionais. Com este tipo de machadinha artesanal, trabalham a madeira com alguma perfeição principalmente na escultura de figuras decorativas. Nestes trabalhos servem-se ainda da faca de corte, manejando-a com destreza para darem vida à sua arte.
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Vocabulário Luena (Moxico):
Ai ué (saudação); Amêne (Amanhã); Anhara, Chana (Savana); Anjukulo (Anda cá); Bissapa (Arbusto silvestre); Cacimba (Poço); Cacimbas (Buracos na terra de águas subterrâneas); Caféco (Moça nova e bonita); Calunga Luís (Mar); Camanga (Diamante); Cambuta (Pequeno/a); Candonga (Contrabando); Capiango (Roubo); Capim (Erva, pasto); Cassumbi (Galinha); Chindére (branco); Chipala (Cara, face); Cuca (Cerveja); Demba (Galo); Dilowa (pedra); Epungu (milho); Esuanga (Folhas de mandioqueira); Fuba (Farinha de milho, mandioca e massambala, para preparar o pirão, alimento tradicional da população); Ginguba (Amendoim); Gombe (Boi); Iputa (Pirão); Jamba o njamba (Elefante); Jindungo (Piri-piri, condimento imprescindível, na culinária angolana); Kafecô (Garota); Kamalamba (Pequena locomotora de manobras); Kachinacage? (Mulher idosa); Kamutchaíla (Pente de madeira com longos dentes); Kanaua (Bem); Kimbo (Cubata, casa tradicional de pau e barro coberta com capim); Kinda (Cesto cónico que as mulheres transportam à cabeça); Kinga (Bicicleta); Kisanje (Instrumento musical africano); Kitoyo (Peixe seco de rio); Kuende (Vai); Lamba (Pobreza, miséria); Laripó (Até logo); Lunga (Homem); Mabeco (Cannis vadius - cão vadio); Machimbombo (Autocarro); Mafuta (Azeite); Móio! ( Bom dia; Adeus); Matumbo (Parvo); Tchico? (Não).

segunda-feira, 26 de maio de 2008

terça-feira, 20 de maio de 2008

Fazenda Beira Baixa

Na Fazenda Beira Baixa, o reabastecimento às nossas tropas, era difícil devido ao facto dos guerrilheiros da UPA montarem emboscadas diárias às patrulhas que reabasteciam as tropas ali acantonadas.
Recordo que, durante uns três dias, esgotaram-se as rações de combate e nem sequer havia bolachas de água e sal para, ao menos, “enganar o estômago”. Nesse período, houve apenas e no máximo, duas refeições diárias. O pequeno almoço não ia além de um púcaro de café, desacompanhado de pão ou bolacha. Ao almoço, a refeição era única e simplesmente: macarrão com chouriço, e, à noite, para variar!… chouriço com macarrão.
Por vezes houve necessidade de recorrer ao reabastecimento aéreo, pouco prático porque os pesados sacos com os víveres, ao serem lançados de uma altura bastante considerável para o interior do aquartelamento, batiam estrondosamente no solo e ficavam em muito mau estado de utilização, não deixando, por isso, de serem convenientemente aproveitados.
Numa das patrulhas de reabastecimento terrestre, foi morto, numa emboscada do IN, o Alferes Barrilaro Ruas, da CC 117. No âmbito da toponímia, a autarquia de Lisboa, em sessão de câmara, deu o nome, desse mártir da guerra colonial, a uma rua da capital. Trata-se da Rua Alferes Barrilaro Ruas, em Santa Maria dos Olivais. Situa-se entre a Rua General Silva Freire e a Rua Sargento Armando Monteiro Ferreira (Bairro Olivais Norte). Deste episódio, e não só, falará o meu amigo Alferes, Nobre de Campos, no Blog CC 115, porque foi ele quem, com o seu 3º. Pelotão, avançou em socorro dessa coluna de reabastecimento tendo o pelotão sido também flagelado pelo IN, logo que chegou ao local. Refiro apenas que a CC 115, sofreu ali mais 2 mortos e alguns feridos com gravidade.

Foto da Fazenda Beira Baixa


segunda-feira, 19 de maio de 2008

Apito

O apito a que se refere a foto anterior pertencia ao comandante do grupo emboscado no ataque de Quanda Maúa, morto em combate. Guardei esse apito (The AGMECITY - Made in England) como despojo de guerra e ainda o conservo. Foi utilizado para “dar a ordem de ataque”, contra as nossas tropas, tendo-se ouvido o som produzido pelo apito e imediatamente desencadeou-se a luta. O suposto comandante ostentava divisas de cabo miliciano e contrastava na indumentária com os restantes guerrilheiros que se apresentavam mal vestidos, troco nú, descalços e com lenços brancos atados na cabeça.
As vagas sucessivas de grupos IN encontravam-se embrenhadas por detrás e nas imediações do célebre embondeiro referido na foto, onde a mata e o capim atingiam uma altura superior às antenas verticais instaladas nas viaturas. A foto ao local foi tirada depois da zona ter sido limpa.
Vide – “Episódios Avulsos”; Na oportunidade, o desenrolar da emboscada será enfatizada no Blog CC 115.

O apito usado pelo "IN"


Placa Identificadora usada na guerra

Ainda conservo em meu poder a “placa identificadora” que me foi entregue antes da partida para Angola, a qual tem gravado:
No Anverso:
P 104125-61 (número atribuído);
HORTA (Apelido).
No Reverso:
A (Grupo Sanguíneo);
17.6.60 (data da análise ao sangue)
A placa, com dez furos rectilíneos a dividi-la equitativamente em duas partes, era usada ao pescoço e destinava-se a identificar o seu portador em caso de acidente grave ou morte. Caso se justificasse a sua fractura, a parte ligada à corrente, acompanharia o militar e a outra metade ficaria na posse da entidade oficial designada para o efeito e para os fins julgados convenientes.
Felizmente que a minha placa regressou inteirinha!

Placa Identificadora