quarta-feira, 9 de abril de 2008

Curto período de férias

Posteriormente seguiu-se um curto período de férias destinado a licença para deslocação a casa e, obviamente, fazer a despedida da família para um período de 2 anos para aqueles que tivessem a sorte de regressar.

Episódio avulso, que escrevi para a “história” da Companhia, que está a ser preparada pelo meu amigo António Nobre de Campos (NOCA), ex-Alferes Miliciano:
“Ida de férias
A preparação, formação e instrução da CC115, demorou apenas uns escassos dias antes da partida para Angola.
Com o passaporte de férias e a guia de transporte dos Caminhos de Ferro nas mãos de cada um dos militares, não havia tempo a perder em direcção à terra da sua naturalidade. Nem sequer foi necessário dar a ordem de: “aos seus destinos… marche!!!”.
O grupo de alentejanos, que espontaneamente se formou e onde eu também me incluía, seguiu de comboio de Mafra até Lisboa (Rossio). Ao chegar a Lisboa, já de noite, dirigiu-se à Estação Fluvial do Terreiro do Paço, a fim de fazer a travessia, de barco, para o Barreiro donde seguiria para Beja. Só que, a estação estava a encerrar naquele preciso momento.
Muito embora no verso do Bilhete de Identidade Militar constasse: “…não pode vaguear pelas ruas depois do recolher; não deve frequentar bairros ou locais que pela sua natureza e costumes possam prejudicar os seus brio e decoro militares…”, o estatuto de mobilizado já permitia andar por ali sem que a Polícia Militar chateasse…
Decisão do grupo: “deixar as maletas de cartão numa dependência do cais e ir dar uma volta!...” Escusado será dizer que o grupo apontou em direcção ao Bairro Alto, mais tarde ao Martim Moniz, direccionou nos sentidos Intendente e Mouraria; enfim, passou por todo o lado onde havia casas de diversão nocturna que, diga-se de passagem, eram às dezenas nesse tempo, até porque estávamos no início do ano de 1961 e essas tais casas de divertimento diurno/nocturno… viriam somente a encerrar no final do ano de 1962. Em suma: O grupo deambulou por todo o Bairro Alto, desceu até à zona da Mouraria e suas imediações e andou por ali até altas horas da madrugada, isto é, até ao encerramento das casas, creio que até às cinco horas da madrugada; entretanto, dado o avançado da hora, as pensões e afins tinham também encerrado. Sim senhor! E agora? Onde é que o grupo iria descansar por algum tempo? Interrogávamo-nos!
Eu, que conhecia perfeitamente aquela zona, por ter frequentado a recruta ali perto, no Batalhão de Telegrafistas, sabia de uma escadaria de madeira no interior de um prédio habitado, o nº. 8, ao lado da actual Casa dos Bicos, no Largo do Terreiro do Trigo, que não tinha portão de entrada, nem de saída, subia-se até um 3º ou 4º. Andar e dali dava acesso directo a uma rua a meio da encosta do Castelo de S. Jorge, o que facilitava os soldados na ida para o quartel sem terem necessidade de ir dar uma volta tão grande!.. para contornar todo aquele casario.
A decisão estava tomada. Seria mesmo ali que iríamos aguardar que a estação abrisse, até porque aquele local, embora não fosse iluminado, situava-se a uns escassos 100 metros da estação onde tínhamos deixado as malas.
Entramos, sentámo-nos nos degraus da escada, encostámo-nos uns aos outros e toca a dormitar… De quando em vez, éramos acordados pelos residentes do prédio que entravam ou saíam de suas casas; mas nós um pouco estremunhados lá facilitávamos a passagem às pessoas que, diga-se em abono da verdade, até foram extremamente simpáticas para connosco. Todavia não há bela sem senão; acordávamos frequentemente cheios de frio devido à passagem de uma grande corrente de ar que ali se fazia sentir, o que teve na origem de umas belas constipações, como é óbvio. Chegada a hora de abertura da bilheteira, lá vai o grupo, às tossidelas, receber as maletas e seguir em direcção ao seu Alentejo.
Até dava para cantarolar:
O Alentejo é que é, o celeiro da Nação; nós somos alentejanos, somos da terra do pão.
Também não faltou: “Eu ouvi o passarinho”, e, lá vai ele!...

I (VIII)

Alentejo quando canta,
Tem tudo à base da solidão;
Traz um nó na garganta,
E um sonho no coração.

II (V, XI)

Eu ouvi o passarinho,
Às quatro da madrugada;
Cantando lindas cantigas,
À porta da sua amada.


III (VI, IX, XII, XIII, XIV)

Por ouvir cantar tão bem,
A sua amada chorou;
Às quatro da madrugada,
O passarinho cantou.

IV (X)

Alentejo terra rasa,
Toda coberta de pão;
As tuas espigas doiradas,
Lembram mãos em oração.

Manuel Valadas Horta
Ex. 1º. Cabo radiotelegrafista”

Sem comentários: